quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

São José do Norte, um local encantador

Rui Zilnet

A partir de hoje passo a descrever alguns aspectos de uma viagem iniciada ao Rio Grande do Sul, percorrendo várias cidades do interior gaúcho. A ordem dos relatos é aleatória, não condizendo necessariamente com o cronograma da excursão.  Este primeiro capítulo é dedicado à cidade litorânea de São José do Norte.

Cenário de São José do Norte para quem chega de lancha, destacando-se ao fundo as torres da centenária Igreja Matriz

São José do Norte é uma pequena, porém, acolhedora cidade localizada no extremo sul de uma península que separa a Lagoa dos Patos do Oceano Atlântico, distante cerca de 372 quilômetros da capital gaúcha e vizinha da cidade de Rio Grande, separada desta por um canal que liga a Lagoa dos Patos ao Oceano Atlântico.

O pescado é fruto de uma das principais atividades da economia local
Implantada em posição litorânea privilegiada, a cidade possui muitos casarões antigos, prevalecendo a arquitetura Colonial Portuguesa. O turismo ecológico, a agricultura (cebola, arroz e florestas de pinus) e a pesca constituem os pilares da economia local. Seus habitantes são alegres e receptivos. A base da gastronomia é de frutos do mar. Para quem prefere aventuras e esportes, a Praia do Mar Grosso está à espera.

Lanchas de passageiros e balsas ligam de Sao José do Norte a Rio Grande
A ligação entre a sede do município e o continente, por terra, se dá pela BR-101 (antiga “Estrada do Inferno”). Para quem chega de Rio Grande, o acesso ocorre através de lanchas e balsas pelo canal Miguel da Cunha, que liga a Lagoa dos Patos ao Oceano Atlântico. As lanchas transportam aproximadamente cerca de 200 passageiros e as balsas dezenas de veículos, inclusive carretas de grande porte e tonelagem.

A atividade pesqueira é componente natural do cenário do lugar
Na travessia do canal Miguel da Cunha, são consumidos 30 minutos com um cenário marítimo inesquecível, tanto da paisagem do lado de Rio Grande, com a imponência do seu porto e casario colonial, como a chegada em São José do Norte, onde se destacam à distância as centenárias torres da Igreja Matriz, inaugurada em l860, cujo santo padroeiro é São José, e a grande quantidade de embarcações pesqueiras que completam o cartão postal. 




Texto e fotos de Rui Zilnet. A reprodução é permitida para fins não comerciais, desde que seja citada a fonte e respeitados os créditos.
.

sábado, 24 de dezembro de 2011

O complexo de vira-latas

“A ponte Rio-Niterói é, portanto, uma linda obra turística, cuja prioridade não se justifica em um país de escassos recursos que se defronta com necessidades berrantes que aí estão nesta mesma região do País, clamando pela ação do Governo”. (Eugênio Gudin, O Globo, 2/3/1974)

Por Roberto Amaral*, em Carta Capital 

'Para os lúdicos do conservadorismo, tudo o que significa investimentos
com vistas ao futuro deve ser adiado, como supérfluo.'
Foto: JupiterImages/AFP
Foi Nelson Rodrigues, em crônica às vésperas da Copa do Mundo de 1958 (Manchete esportiva, 31/5/1958), quando a seleção brasileira partia desacreditada para a disputa na Suécia, quem grafou o conceito de “complexo de vira-latas”, resumo de um colonizado e colonizador sentimento de inferioridade em face do estrangeiro e do que vem de fora, seres e coisas, ideias e fatos.

Impecável a definição, cujas raízes nos levam à empresa colonial e ao escravismo, à dependência cultural às diversas Cortes que sobre nós reinaram e ainda reinam.

Peca, porém, o teatrólogo genial e reacionário militante ao atribuir tal “complexo” a um fenômeno nacional, como se fosse ele um sentimento de nosso povo, de nossa gente, pois nada é mais povo brasileiro do que o torcedor de futebol.

Esse sentimento existe, mas regado pela classe dominante brasileira, desde a Colônia, que sempre viveu de costas para o país e com os sonhos, as vistas e as aspirações voltadas para a Europa. Terra de “índios desafeitos ao trabalho”, de “negros manimolentes e banzos” e “europeus de segunda classe”, nosso destino, traçado pelos deuses, era a de eternos coadjuvantes. História própria, industrialização, destino de potência… ah, isso jamais!

Nem no futebol, pois havíamos perdido as copas de 1950 e 1954 justamente porque éramos (eram nossos jogadores) um povo mestiço.

Pensar grande, pensar na frente, projetar-se no mundo e na História, isso é coisa de visionários ou políticos “populistas”.

Tal cantochão reacionário foi construído pelos pensadores dos interesses dominantes (desde os que no Império advogavam o “embranquecimento da raça” e por isso, só por isso, chegaram a admitir a abolição da escravatura), e ainda hoje é o refrão da direita impressa.

Para essa gente, o destino de nosso país era o de exportador de café e importador de manufaturas (“porque produzir aqui se podemos importar o produto estrangeiro, melhor e mais barato?”), e agora é o de exportador de soja e minério in natura. Amanhã, que os fados nos protejam, o destino que nos devotam é de exportadores de óleo bruto, como o Iraque, o Irã, a Venezuela, a Arábia Saudita…

O único engenho concedido ao nosso povo é o carnaval, comercializado pela tevê monopolizada. Mas dizem ao nosso povo os jornalões que não temos capacidade de construir meia dúzia de estádios.

Mesmo o futebol entrou em questionamento, depois que o Santos caiu de quatro nos gramados japoneses. A grande imprensa agora prescreve que o futebol brasileiro precisa reaprender com o catalão, repleto de atletas estrangeiros, inclusive, brasileiros…

Um bom representante desse pensamento conservador – que no Império ceifou pioneiros como Mauá – é Eugênio Gudin, criador (ao lado de Octavio Gouvêa de Bulhões) do ensino da economia em nosso país, e fundador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas. Monetarista e anti-desenvolvimentista, anti-varguista e anti-juscelinista, iluminador do moderno neoliberalismo brasileiro, combatia a intervenção do Estado na economia, o apoio (com incentivos ou o que fosse) à industrialização, e defendia com unhas e dentes, desconsiderando a realidade objetiva, o equilíbrio financeiro e a austeridade fiscal.

Gudin, como a maioria dos economistas, gostava de falar em “custo de oportunidade”, que procura medir o que poderia ter sido feito em saúde, educação e mais isso e mais aquilo, com os gastos de determinada obra ou melhoramento. Por exemplo, quanto poderíamos ter investido em saúde se não investíssemos na transposição do São Francisco, em que pese ao preço de deixar à míngua milhões de brasileiros do semi-árido nordestino…

Por isso, Gudin, como a classe dominante e a direita impressa, foram contra Brasília e mesmo contra a ponte Rio-Niterói, e são, agora, contra o trem-bala que ligará Campinas-São Paulo ao Rio de Janeiro.

Ainda na ditadura, um falecido jornalão carioca insurgiu-se contra as obras do metrô em nossa cidade, sob o tacanho argumento de “que ainda não haviam sido esgotadas as possibilidades do trânsito de superfície”.

Chateaubriand, nosso Cidadão Kane, mobilizou sua cadeia de jornais e rádios para combater os investimentos da União na triticultura gaúcha “porque era muito mais barato importar trigo dos EUA’”, que então renovavam seus estoques de guerra.

Agora mesmo há os que julgam desperdício os investimentos em hidroelétricas e em Angra III.

Ora, em país que de tudo carece, tudo é urgente e igualmente tudo é adiável. Mais importante do que o “custo de oportunidade” é a oportunidade do investimento, ainda que signifique o atraso de obras e serviços “inadiáveis”.

Assim foram os investimentos dos anos 50 na Petrobras (que Gudin e outros consideravam um desperdício, até por que “o Brasil não possuía petróleo”) e a seguir os investimentos da estatal em pesquisa, de que a prospecção em águas profundas é apenas um dos frutos. Aos míopes daquele então, pergunto: que seria o Brasil de hoje dependente da importação de petróleo? Que será o Brasil de amanhã sem energia elétrica?

Aí então é que não podemos pensar em saúde e educação universais. Mas, para os áulicos do conservadorismo, tudo o que significa investimento com vistas ao futuro deve ser adiado, como supérfluo. Daí o desmantelamento tecnológico de nossas forças armadas, daí o atraso da indústria nuclear, daí o atraso na indústria espacial, daí o atraso na produção de fármacos, na recuperação das ferrovias.

Paremos aqui, pois o rol é interminável.

O Brasil de hoje mostra a relevância dos “injustificáveis investimentos” na construção de Brasília (incorporando à economia mais da metade do território nacional) e da ponte Rio-Niterói, a qual, aliás, já dá sinais de saturação.

Todo mundo pode construir seu trem-bala. Podem o Japão, a China, a Itália, a França, a Espanha… mas o Brasil, não, pois aqui “há outras necessidades exigindo recursos”. E na China e na Espanha por acaso já não há mais nada pedindo investimentos? Seus críticos de boa e de má-fé reduzem o projeto à ligação entre as duas maiores metrópoles do país, ou seja, a um simples sistema de transporte, o que, convenhamos, já o justificaria.

Mas aos esquecidos lembremos o processo de urbanização que essa nova via proporcionará, criando em torno de seu trajeto e de suas estações novas condições de vida e moradia, desafogando os grandes centros, atraindo serviços e indústrias, ou seja, promovendo o desenvolvimento que ensejará investimentos em saúde, educação, saneamento etc.


* Roberto Amaral é cientista político. Foi ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004.
.

Extração de ouro será retomada em Serra Pelada a partir de 2012

Agência Brasil

Quase 20 anos depois de o governo fechar aquela que foi a maior mina de ouro a céu aberto do mundo, a exploração de Serra Pelada, no Pará, será agora toda mecanizada. A empresa de mineração canadense Colossus Minerals Inc., associada à Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), conquistou a permissão para explorar a área.

Os primeiros levantamentos feitos em uma parte do terreno de 100 hectares com permissão para ser explorada indicou a presença de, pelo menos, 50 toneladas do metal. Esse número deve ser atualizado pela empresa em janeiro, e a expectativa dos ex-garimpeiros é que o volume seja bem maior, já que a própria mineradora informou que o potencial de novas descobertas na propriedade é elevado.

"É basicamente ouro amarelo, paládio - que é um ouro branco -, prata e platina. Sendo que a incidência menor é de platina, mas, em compensação, o preço é dobrado em relação ao preço do ouro", explicou Antônio Ferreira Milhomem, diretor da cooperativa.

A antiga mina, que na década de 1980, foi alvo da maior corrida a metais preciosos da história da América Latina, chegou a ser conhecida como “formigueiro humano”, com mais de 80 mil garimpeiros trabalhando ao mesmo tempo. O ouro retirado deveria ser vendido exclusivamente à Caixa Econômica Federal. Na época, foram extraídas cerca de 40 toneladas do metal precioso, sem contar o que foi vendido clandestinamente. O grande buraco que os trabalhadores cavaram é hoje um lago com mais de 100 metros de profundidade.

Até a entrada em operação, a multinacional canadense terá investido R$ 320 milhões na construção da mina subterrânea, batizada de Nova Serra Pelada. O lucro, no entanto, será contado em bilhões de reais. Segundo o acordo feito entre a Colossus e a Coomigasp, que levou à criação da Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral (SPCDM), 25% do lucro serão repartidos com os mais de 38 mil ex-garimpeiros da região associados à cooperativa e o restante ficará com a multinacional.

Para esses trabalhadores, que depois do fechamento da mina, há duas décadas, passaram a viver de bicos ou da renda que conseguiram com a venda do ouro, a retomada da produção em grande escala em Serra Pelada é a esperança de uma vida mais tranquila financeiramente. Pouquíssimos conseguiram enriquecer na época e, entre eles, raros souberam investir o que ganharam. Agora, organizados em cooperativa, esperam ganhar o suficiente para viver melhor.

.

sábado, 10 de dezembro de 2011

O homem-bomba tucano

Provavelmente, Fórum foi a única revista brasileira a dedicar uma capa a Ricardo Sérgio de Oliveira, um dos personagens principais do livro de Amaury Ribeiro Jr, A Privataria Tucana.

Releia a matéria e conheça melhor o personagem. Aproveito este post pra informar que quem assinar a Fórum neste mês ganha um livro do Amaury. Saiba mais sobre a promoção acessando o banner na home da revista.

Por Fábio Jammal Makhoul, em Blog do Rovai

Enquanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) fazia pose de estadis­ta e chamava a ética do PT de corrupta na capa da revista IstoÉ de 8 de fevereiro, uma pequena nota no pé da quinta e última página da seção “A Semana” passava facilmente des­percebida até mesmo para os leitores mais atentos. Embaixo de três notas  necrológicas, o pequeno texto infor­mava: “Condenados a 11 anos de pri­são pela 12ª Vara Federal do Distrito Federal o ex-presidente, do Banco do Brasil Paulo César Ximenes e seis ex­-diretores dessa instituição. Eles foram acusados de gestão temerária devido a irregularidades em empréstimos fei­tos à construtora Encol entre 1994 e 1995. Na quarta-feira 1″.

Assim como IstoÉ, a grande im­prensa não deu muita bola para o caso. Veja, por exemplo, considerou a condenação de toda uma diretoria do maior banco público do país nada importante e não dedicou uma linha a respeito do assunto. Os sete condenados formavam a diretoria colegiada do Banco do Brasil entre 1995 e 1998, com Ximenes no comando da instituição. Período que coincide com o primeiro mandato de FHC. Eles foram condenados em pri­meira instância por nove atos que caracterizam crimes de gestão temerária e de desvio de crédito ao emprestar dinheiro para a construtora Encol, que faliu em seguida e prejudicou mi­lhares de mutuários. Os acusados foram considerados responsáveis, entre outros crimes, por aceitar certificados de dívida emitidos ilegalmente pela construtora e por prorrogar sistematicamente ope­rações vencidas e não pagas.

O homem-bomba
A condenação de toda a diretoria colegiada do Banco do Brasil no pri­meiro mandato de FHC é a menor das preocupações do PSDB. O mais atemorizante é que, entre os condenados, um personagem se destaca. Trata­-se do já conhecido Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor da área interna­cional do banco.

O economista ganhou notoriedade durante as privatizações promovidas por Fernando Henrique Cardoso, especialmen­te nos, casos da Companhia Vale do Rio Doce (ver matéria na página 12) e do sistema Telebrás, dois dos maiore negócios do mundo. Em 1998, no episódio conhecido como “Grampo do BNDES”, Ricardo Sérgio foi desta­que ao ser flagrado confessando como agiam ao costurar negócios para o leião das teles: “no limite da irresponssabilidade”.

Caixa das campanhas de José Serra (1990 a 1996) e de Fernando Henrique (1994 e 1998), Ricardo Sérgio está envolvido em denúncias que vão desde pequenos problemas com a Receita Federal até a suposta cobrança de uma propina de R$ 15 milhões do empresário Benjamin Steinbruch, para favorecê-lo no leilão da Vale e prejudicar os fundos de pensão dos funcionários de estatais. O empresário teria dito, à época, que estava convencido de que Ricardo Sérgio falava em nome do PSDB e decidiu pagar a propina. O assunto foi destaque nas três maiores revistas de circulação nacional na segunda semana de maio de 2002. Veja e Época afirmavam que parte da propina de R$ 15 milhões, que teria sido cobrada em 1996, foi efetivamen­te paga. As duas revistas confirmaram o pagamento com empresários e inte­grantes do conselho de administração da Vale do Rio Doce, que preferiram preservar sua identidade. Veja ainda teria confirmada a história com dois tucanos de alta plumagem, a seguir o trecho da matéria:

“Veja conversou com dois empre­sários que ouviram o relato de Stein­bruch. ‘Ele me disse que se sentia alvo de um achaque’, conta um dos em­presários. O outro, que trabalha no setor financeiro, diz algo semelhante: ‘Naquele tempo, Benjamin andava por aí feito barata tonta, sem saber se pagava ou não’, afirma. Na sema­na passada, Veja obteve depoimentos formais que confirmam a história. A particularidade desses depoimentos é que eles são dados por expoentes da política brasileira. Um deles é de Luiz Carlos Mendonça de Barros, que presidiu o BNDES durante o processo de venda da Vale, e depois assumiu o Mi­nistério das Comunicações. Acabou perdendo o emprego quando estou­rou o escândalo das fitas da privatiza­ção das teles. A outra autoridade é o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza. Ambos são tucanos”.

A mesma Veja, sim a Veja, ainda explicou: “Ricardo Sérgio não caiu de pára-quedas no chamado ninho tuca­no. Ele foi apresentado a José Serra e a Fernando Henrique Cardoso pelo ex-ministro Clóvis Carvalho. Em 1990, José Serra candidatou-se a de­putado federal e não tinha dinheiro para fazer a campanha. Clóvis Carva­lho destacou quatro pessoas para aju­dá-lo na coleta. Um deles era Ricardo Sérgio. Em 1994, Serra se candidatou ao Senado por São Paulo, e Ricardo Sérgio voltou a ajudá-Io como coletor de fundos de campanha. A última dis­puta da qual Serra participou foi para a prefeitura de São Paulo, em 1996. Depois, o senador não mais concor­reu em nenhuma outra eleição, até a deste ano (2002). Ricardo Sérgio também foi uma das pessoas acio­nadas para arrecadar contribuições para a campanha presidencial de Fer­nando Henrique Cardoso, em 1994. O mesmo aconteceu na reeleição de FHC, em 1998. Na função de coletor de contribuições eleitorais, Ricardo Sérgio era muito bem-sucedido”.

Na semana seguinte, a reportagem explosiva de Veja era comentada pelo então professor da USP Bernardo Ku­cinski que dizia não entender o “furor ínvestigativo” da revista e questionava: “Mera reação à concorrência? Retalia­ção patrimonialista? Ou, o mais prová­vel: uma ação operada a partir de fra­tura no interior do bloco de poder”.

Já a revista IstoÉ relatou na edição da mesma semana um novo caso sus­peito envolvendo o ex-diretor do BB. Ricardo Sérgio teria encabeçado um esquema que teria trazido de volta ao Brasil, em 1992, “US$ 3 milhões sem procedência investidos nas Ilhas Cayman, paraíso fiscal do Caribe”. Ele te­ria conseguido vender no mercado in­ternacional títulos da empresa Calfat, numa transação feita por intermédio do Banespa, quando a instituição ainda pertencia ao governo de São Paulo. Com tantas suspeitas – potencial­mente explosivas pairando sobre o cai­xa tucano, a sua condenação no caso dos empréstimos da Encol feitos pelo BB pode ser apenas a ponta do iceberg.

Grampo revela armações
A nomeação de Ricardo Sérgio de Oliveira para a direção de relações internacionais do Banco do Brasil foi uma indicação de José Serra (mi­nistro do Planejamento na época), e Clóvis Carvalho (Casa Civil). Com o cargo, se transformou numa das pes­soas mais influentes na Previ (fundo de pensão dos funcionários do BB) e teve grande participação na monta­gem de consórcios que participaram com o fundo nas privatizações. O caso do Grampo no BNDES revela um pouco como se agia nesses casos. A interceptação clandestina de telefonemas trocados pelas autorida­des que geriam o processo de venda das telefônicas mostrou uma agitada movimentação do governo FHC nas 72 horas que antecederam o Leilão das Teles, ocorrido em julho de 1998. Nas fitas, o então ministro das Co­municações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, telefona para Ricardo Sérgio e revela que o Opportunity, de Daniel Dantas, quer participar do leilão da Tele Norte Leste, mas depende da conces­são de uma Fiança do Banco do Brasil: “Está tudo acertado. Mas o Opportu­nity está com um problema de fian­ça. Não dá para o Banco do Brasil dar?”, pergunta Mendonça de Barros. “Acabei de dar (R$ 874 milhões)”, responde Ricardo Sérgio e completa quase rindo: “Nós estamos no limite da nossa irresponsabilidade. São três dias de fiança para ele” …. “Na hora que der merda (se refere ao astronô­mico valor do crédito), estamos juntos desde o início.” A armação nesse caso só não deu certo porque o Opportunity já havia adquirido a Brasil Telecom (BrT) e a Telemig. Em março de 2001, o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL) disse à Justiça e ao Ministério Público que o economista chegou a cobrar comissão de mais de R$ 90 milhões para assegu­rar o resultado no Leilão das Teles.

Prestador de serviços
Errando ou acertando nas “arti­culações”, Ricardo Sérgio mantinha confiança da alta cúpula tucana. Um assessor parlamentar que está levantando dados para a CPI das pri­vatizações diz que um dos caminhos para arrecadar recursos para campa­nhas em anos anteriores passava pela formação dos grupos que disputavam os leilões das empresas então estatais. Injetava-se dinheiro dos fundos de pensão em um dos grupos e caso ele vencesse recolhia-se a tal “contribui­ção” para partidos e/ou candidatos. Como ficou claro nas matérias publi­cadas a partir do grampo do BNDES, Ricardo Sérgio era um dos arquitetos dos grupos. Mera coincidência?

Na atual crise do “Mensalão”, o nome do caixa tucano também apare­ceu. O tesoureiro era um dos elos entre Marcos Valério e o PSDB. Adivinhe de quem é o prédio em que a agência de publicidade SMPB de Valério ocupa dois andares em Belo Horizonte? Ricardo Sérgio comprou o edifício por R$ 7,5 milhões em 17 de agosto de 1999, mesma época em que Marcos Valério passou a atuar no Ban­co do Brasil pela DNA Propaganda.

Outra coincidência: o prédio pertencia a Petros, o fundo de pensão dos funcio­nários da Petrobrás. Em 1999, durante o governo FHC, a Petros vendeu o edifício à Planefin – Serviços, Assessoria, Planejamento, Administração e Parti­cipações S/C Ltda., de propriedade de Ricardo Sérgio, que procurou esconder seu nome do negócio nomeando um “laranja” para a transação, seu “sócio” Ronaldo de Souza. As CPls ainda não aprofundaram as investigações entre Marcos Valé­rio e Ricardo Sérgio e até agora não foram reveladas as circunstâncias em que o edifício passou a ser ocupado pela empresa do publicitário. Mas desde o início da crise do Mensalão, a relacão entre o PSDB e o Valerioduto ficou parente. O esquema Marcos VaLétio começou em Minas Gerais, nos anos 1990, quando o publicitário passou a finan­ciar as campanhas do PMDB, PFL e PSDB. Mas o grande trabalho do Va­lerioduto só aconteceu em 1998, na campanha para reeleição de Eduardo Azeredo, que caiu da presidênciâ na­cional do PSDB quando o esquema veio à tona. Com Marcos Valério, a campanha de Azeredo arrecadou cerca de R$ 9 milhões, sendo R$ 2 milhões a partir de “negócios” com o Tesouro Estadual de Minas e R$ 6 mi­lhões e meio com as estatais mineiras. A CPI dos Correios também apurou que Valério trocou 40 telefonemas em 2002 com o comitê de campanha do atual governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB). Mas a ligação entre Válério e Ricardo Sérgio também se dá por ou­tra frente. O economista Lúcio Bo­lonha Funaro é apontado pela CPI dos Correios como dono oculto da Guaranhuns, empresa que Marcos, Valério teriá usado para repassar R$7 milhões ao Partido Liberal (PL). A empresa teria dado um prejuízo de R$ 100 milhões aos fundos de pensão. E adivinha quem é o melhor amigo de Funaro? O jornal Estado de Minas de 26 de agosto do ano passado diz que Ricardo Sérgio é o sócio oculto da Guaranhuns, mas as investigações da CPI ainda não se aprofundaram. Desde que seu nome surgiu nos noticiários pela primeira vez, os partidos adversários do PSDB tentam le­var Ricardo Sérgio para se explicar no Congresso. Mas, até agora, o esquema tucano-pefelê conseguiu preservar homem de confiança de Serra e FHC.

O caso Encol
Apesar das peripécias de Ricardo Sérgio pelos meandros do poder, só agora a Justiça condenou o caixa tu­cano a prisão. O juiz federal Cloves Barbosa de Siqueira, da 12ª Vara do Distrito Federal, considerou que os empréstimos feitos à Encol burlaram “os normativos vigentes”. Ou seja, houve crime de “gestão temerária” com “atos de administração que coloquem em risco os negócios da insti­tuição”, assinalou o juiz. Antes mesmo de Ricardo Sérgio, assumir a direção do BB, em 1995, os problemas financeiros da construtora já eram conhecidos. Na época, a dívi­da da Encol com o sistema financeiro era estimada em aproximadamente R$ 700 milhões, sendo o BB um dós maio­res credores. Conforme denúncias da epoca, há indícios de uma série de ligações suspeitas entre os donos da em­presa e integrantes do governo FHC. Apesar da quantidade de provas de irresponsabilidade nos emprésti­mos, essa foi a primeira vez que diri­gentes do banco foram condenados pelo envolvimento com a construtora. Entre as nove irregularidades que resultaram na condenação, o juiz citou, em sua senténça a hipoteca que o BB liberou para o Hotel Ramada, da Encol, como exemplo de operação danosa para a instituição.

Segundo parecer da Justiça, no lu­gar do hetel, que valia R$ 55 milhões à, época, o Banco do Brasil recebeu R$ 17,3 milhões. “Não há justificativa plausível para se liberar uma garantia vendida por R$ 55 milhões mediante o recebimento de apenas R$ 17,3 mi­lhões, com a colocação do saldo rema­nescente (R$ 37, 7 milhões) à disposi­ção da própria devedora”, relata o juiz. Os diretores do BB ainda aceitaram certificados de dívida emitidos ilegal­mente pela construtora e renovaram sistematicamente as operações de cré­dito vencidas e não pagas. “Mesmo cientes da precária situação financeira da Encol, ampliaram os límites de crédito da citada empre­sa, ao mesmo tempo que autorizaram a liberação de garantias idôneas me­diante substituição por outras incapazes de lastrear as operações de crédito concedidas à empresa”, citou o juiz, mencionando o documento do Mi­nistério Público, autor da ação.

Reversão complicada
Embora tenham sido condenados por gestão temerária na direção do BB, a instituição decidiu utilizar seu corpo jurídico para defender os acu­sados. A assessoria de imprensa. do banco informou que a empresa vai recorrer da sentença no Tribunal Regional Federal. Antônio da Silva Machado consultor jurídico do BB, é o responsável pela defesa dos sete condenados. Se­gundo ele, os empréstimos do banco a Encol tinham por objetivo recuperar a construtora e evitar sua falência, para receber os créditos que já haviam sido dados por gestões anteriores. De acordo com sua tese, com a falência, o banco dificilmente conseguiria reaver o dinheiro, já que a lei dá preferência a pagamentos de dívidas trabalhistas e tributárias. Mas numa das muitas entrevistas que deu à imprensa, defendendo os ex-diretores do BB, Machado acabou cometendo um lapso e reconheceu que houve irregularidades por parte dos condenados. É que na base da sua argumentação, o advogado tenta descaracterizar o crime de gestão te­merária, alegando que juridicamente o termo não se aplica a atos isolados “e sim a todo um conjunto de irregu­laridades cometidas ao longo de de­terminado período de tempo”. Autor da denúncia que resultou na ação do Ministério Público e na conde­nação da Justiça, o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), diz ser comum empresas do porte do BB co­locarem a assistência jurídica à dispo­sição de ex-empregados. “Não é ilegal, mas acho que o advogado do banco não deveria defender os acusados para a imprensa”, disse o petista à Fórum. Para Berzoini, embora caibam re­cursos aos acusados, dificilmente as instâncias superiores da justiça irão reformar a sentença. “Nós fizemos a denúncia ao Ministério Público em 2000 e a promotoria conseguiu em sua ação fundamentar muito bem o pedido de condenação. As provas apresentadas foram muito claras e o juiz também embasou muito bem a sua decisão. Vai ser difícil de reverter”, comentou. O presidente do PT explicou que a decisão da Justiça foi tão responsável que absolveu o gerente Jair Bilachi e o secretário-executivo Manoel Pinto de Souza Junior. Auditoria interna feita pelo banco na época apontava um pequeno grupo de funcionários como os únicos responsáveis pelos empréstimos irregulares, entre eles ós dois absolvidos. “Na época, a direção do BB tentou não só se eximir da cul­pa, mas transferir a responsabilidade para funcionários subalternos.” Além de Ricardo Sérgio e do ex­-presidente Paulo César Ximenes, fo­ram condenados Edson Ferreira, João Batista de Camargo, Hugo Dantas, Ricardo Conceição e Carlos Gilberto Caetano. Dos sete, somente Ricardo Conceição continua empregado no banco (atualmente ocupa a vice-pre­sidência de Agronegócios).

Isenta imprensa
A notícia da condenação da ex-diretoria colegiada do BB circulou somente no dia 1º de fevereiro, mas a decisão da Justiça data do dia 2 de dezembro de 2005. A imprensa comercial levou dois meses para descobrir a condenação e nenhum jornal ou revista de grande circulação deu destaque para o fato. Dois dos maiores jornais do país, Estado e Folha de S. Paulo, deram a notícia sem destaque na capa e os seus cadernos de economia, longe e descolada da parte po­lítica, onde se publica os escândalos. A Folha chegou ao cúmulo de utilizar como chapéu (pré-título) para desta­car a notícia a palavra “imóveis”. No caso do Grampo no BNDES há uma referência à docilidade da mí­dia comercial com o esquema tucano-pefelê. Numa das conversas gravadas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem o seguinte diálogo com ministro Mendonça de Barros: Minis­tro: “A imprensa está muito favorável, com editoriais”. FHC: “Está demais, né? Estão exagerando, até”. E ri.

.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Presos três suspeitos de ataque à aldeia indígena em Mato Grosso do Sul

.
Alex Rodrigues*, em Agência Brasil

A Polícia Federal (PF) prendeu nesta quinta-feira (1º) três suspeitos de atacar o acampamento indígena Tekoha Guaiviry, localizado entre as cidades de Amambaí e Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul. Além de participação no ataque ao acampamento dos Guarani-Kaiowá, os três homens detidos nesta manhã são suspeitos de envolvimento no desaparecimento do cacique Nísio Gomes.

Os três suspeitos prestaram depoimento na delegacia da PF em Ponta Porã, mas seus nomes e nacionalidades não foram divulgados. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), há suspeitas de que paraguaios tenham participado do ataque ao acampamento, no último dia 18. O acampamento fica próximo à fronteira com o Paraguai.

Apesar das prisões, o cacique ainda não foi localizado. De acordo com índios que se encontravam no acampamento no momento do ataque, pistoleiros encapuzados atiraram em Gomes e levaram seu corpo ensanguentado, além de três jovens. A PF diz que não encontrou no local munição de armas letais, mas apenas cartuchos de armas de borracha. Para a PF, Nísio está desaparecido.

Quanto aos três jovens supostamente raptados, não foram encontrados, até o momento, indícios deles, nem foi registrada queixa. Ainda assim, a denúncia não foi descartada.

De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), os Guarani-Kaiowá são, atualmente, o mais numeroso povo indígena do país, com mais de 45 mil pessoas. A maioria delas vive em situação de miséria, ocupando 42 mil hectares (o equivalente a 420 milhões de metros quadrados, ou 42 mil campos de futebol). Segundo o relatório sobre a violência contra os povos indígenas produzido pelo Cimi, 250 indígenas foram mortos em Mato Grosso do Sul nos últimos oito anos.

Segundo líderes indígenas da região, mesmo diante da repercussão do desaparecimento do cacique, pistoleiros continuam ameaçando os índios, pressionando-os para que deixem os acampamentos. Na última segunda-feira (28), índios do Acampamento Pyelito Kue, próximo ao município de Iguatemi, denunciaram que dois homens em uma moto invadiram o local atirando e prometeram voltar.

Os Guarani-Kaiowá cobram rigor nas investigações a cargo da PF e querem a prisão dos responsáveis e dos envolvidos no ataque ao acampamento. Ontem (30), eles realizaram a Marcha contra o Genocídio e pela Paz, ato que, segundo os organizadores, reuniu 500 indígenas e simpatizantes da causa. O grupo caminhou cerca de sete quilômetros pela rodovia MS-86, que liga Ponta Porã a Amambai. O ato foi encerrado no acampamento Tekoha Guaiviry.

No último fim de semana, os índios que participaram da Aty Guasu (espécie de assembleia com caráter de movimento político do povo Guarani) divulgaram um manifesto em que pedem intervenção federal no estado. No documento, eles afirmam que o governo sul-mato-grossense é incapaz de garantir a segurança dos indígenas.

Segundo o coordenador regional do Cimi no estado, Flávio Vicente Machado, o grupo teme que, com o passar dos dias, o assunto caia no esquecimento e as buscas aos desaparecidos sejam encerradas. “O clima continua muito tenso na região. Os índios continuam sendo intimidados e temiam que, mesmo com toda a repercussão, o caso simplesmente fosse deixado de lado em função dos interesses econômicos e da correlação de forças políticas no estado”, disse Flávio à Agência Brasil.



* Alex Rodrigues é repórter da Agência Brasil

.