Por Clara Roman, em CartaCapital
Um terreno baldio, a perder de vista, é o que sobrou do assentamento Pinheirinho. Ainda cercado de pinheiros, o espaço se assemelha a um lixão, com pilhas enormes de entulho. Nenhuma casa de pé. Entre os pedaços de telha e alvenaria, emergem os restos de toda uma vida destruída: roupinhas de criança, brinquedos, folhas de calendário, secador de cabelo, privadas, chips de computadores, cadernos escolares, livros religiosos. A maioria chamuscada. No sábado 4 de fevereiro, a fumaça ainda exalava do amontoado de madeira.
Algumas poucas pessoas andam entre os entulhos. Mesmo assim, como que para marcar território e sem grandes sinais de qualquer ação para impedir intrusos, um grupo de homens sentados à sombra de um toldo improvisado alerta, quando se chega mais perto “Não pode entrar, não. É propriedade particular”. Até pouco tempo atrás um bairro da cidade, o Pinheirinho é agora mais um pedaço de terra cercado.
As famílias foram espalhadas por quatro abrigos em escolas da região. Uma quadra poliesportiva é o dormitório. Em volta do colchão, as pessoas reúnem os poucos pertences que conseguiram salvar da demolição. Algumas adolescentes experimentam qual sapato de salto alto da pilha de doações fica melhor nelas. Crianças passam perguntando onde estava o moço que distribui as balas, em meio a brincadeiras improvisadas para passar o tempo.
Depois da operação, as famílias do Pinheirinho contam sofrer todo tipo de estigma. Uma mulher reclama que não consegue matricular seu filho na escola, depois que disse ser ex-moradora do Pinheirinho. A estratégia da prefeitura para esvaziar os abrigos é oferecer aluguel social, traduzido em um cheque de 500 reais. Mas o morador só pode ter acesso ao dinheiro depois de comprovar que terá onde gastar. Muitos encontram dificuldade em fechar o contrato do aluguel por apenas seis meses, período em que a prefeitura garante o pagamento. Vários contam terem perdido os empregos, depois de aparecerem na televisão como os invasores do Pinheirinho. “Ficamos com todas as famas ruins: de baderneiro, invasor”, indigna-se uma das ex-moradoras no assentamento.
Um homem deitado em seu colchão na quadra, tomando um copo de Eno – segundo ele, por causa da má qualidade da comida servida pela assistência social –, reclama de sua falta de sorte. Na fila de programas habitacionais do governo, quase foi sorteado duas vezes para uma moradia, mas perdeu por pouco. Agora, afirma sentir-se humilhado com o que o governo fez. Enquanto o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) realiza um levantamento junto aos moradores dos bens perdidos na demolição – os tratores da prefeitura não esperaram as famílias tirarem seus pertences – para uma possível indenização, ele declara não esperar mais nada da prefeitura.
Há um sentimento geral de tristeza e falta de perspectivas. Muita gente já foi embora. Alguns se hospedaram na casa de parentes, enquanto outros aceitaram da prefeitura a passagem só de ida para outros estados, onde têm família.
Mobilização
Às 18h do sábado 4, as pessoas começam a chegar na praça onde será a Assembleia. Alguns líderes sindicais já se reúnem em cima do caminhão que serve de palanque. Marrom, uma das prinicipais lideranças do Pinheirinho, é aplaudido quando sobe no teto do veículo. Canta-se o hino da CSP-Conlutas, central sindical ligada ao PSTU.
A reunião tem cerca de 200 pessoas, mas aos poucos mais famílias começam a chegar. Uma mulher puxa um grito: “Aha, uhu, o Pinheirinho é nosso”, mas não é acompanhada. Canta o verso umas três vezes e depois desiste. “A gente quer voltar para o Pinheirinho?”, chama o homem em cima do caminhão. Um “sim” é a resposta geral, mas do meio da multidão, ecoam gritos de “não”.
Os líderes da Assembleia reforçam a ideia de que a união será a principal arma para conseguir desapropriar a área do assentamento e reinstalar a comunidade. Divididos em quatro alojamentos e dispersos pelos quatro cantos do país, reunir as 1600 famílias novamente está cada vez mais difícil. O assessor de um vereador da cidade explica: o processo de despejo de comunidades é feito constantemente em São José dos Campos, mas de modo sutil, aos pedaços. Assim, os bairros somem quase imperceptivelmente ao longo dos anos. O Pinheirinho, que possuía uma liderança muito forte e população organizada, permaneceu ‘inteira’. Até os dois mil policiais forçarem sua saída no dia 22 de janeiro.
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