Por Milton Corrêa da Costa*, em Correio do Brasil
O cinegrafista da TV Bandeirantes Gelson Domingos da Silva, de 46 anos, foi morto na manhã deste domingo, na guerra sem fim do Rio, enquanto participava da cobertura de uma operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e do Batalhão de Choque na Favela de Antares, Zona Oeste da cidade. Foi atingido com um tiro de fuzil na região do tórax. Na ocasião o profissional de imprensa, segundo a TV Bandeirantes, fazia uso de colete à prova de bala. A Associação Profissional dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio (Arfoc-Rio) divulgou nota dizendo que “este é mais um capítulo da trágica história da cidade, que nos deixa consternados e preocupados com o seu futuro e o da profissão”.
Oito marginais foram presos e quatro pessoas mortas durante a intervenção policial. Entre os presos, estão o “gerente” do tráfico local, conhecido comoBBC e seu braço-direito China. Também em nota, a Polícia Militar lamentou a morte de Gilson e afirmou que o objetivo da ação era checar informações da área de Inteligência do Bope e do Batalhão de Choque de que líderes do tráfico fortemente armados se reuniam no local, sendo a fração de tropa (cerca de 100 homens) sido recebida naquele momento a tiros de fuzil e metralhadoras pelos meliantes.
Não, não se trata de uma ficção, nem relato de correspondente de guerra. Este é o retrato fiel de uma guerra sem fim, que se arrasta (cotidianamente) por quase vinte anos e que vitima e aterroriza gregos e troianos, apesar de todo esforço das autoridades e seus agentes na tentativa de pacificação de morros e favelas do Rio, conhecidos redutos do narcoterrorismo. Na ação policial foram apreendidos um fuzil AR-15, três pistolas, cinco rádios transmissores, 1kg de maconha, 574 trouxinhas de maconha, 522 pedras de crack, 100 papelotes de cocaína, R$ 3.154,00 e nove motocicletas.
Tal relato nos leva a refletir sobre o risco da função que exercem repórteres e cinegrafistas na guerra do Rio. A missão de repórteres e cinegrafistas que cobrem, in loco, a Guerra do Rio, é mais arriscada hoje do que a própria missão de correspondentes que atuam no front das guerras como a do Iraque e a do Afeganistão. Não há dúvida. Na permanente guerra do Rio os confrontos de policiais com traficantes ou entre facções criminosas, dispondo de armas de guerra altamente letais, inclusive granadas, são a curta e média distâncias.
Somente o uso de coletes à prova de bala e capacetes de aço já não são mais mecanismos de proteção suficientes para jornalistas na perigosa missão. Táticas de progressão segura no terreno, em locais de difícil acesso e de abrigo, também precisam ser aprendidas e incorporadas no adestramento de tais profissionais, postados na linha de tiro, quanto mais quando se tem uma câmera e outros equipamentos na mão que precisam ser usados e transportados. No Iraque e no Afeganistão normalmente os confrontos são a longa distância, através de mísseis de guerra de longo alcance, onde os correspondentes de guerra permanecem abrigados e as cenas de confronto são colhidas via aérea. Lá também os atentados terroristas são em locais incertos. Situação diferente da modalidade de guerra urbana desenvolvida no Rio.
A guerra do Rio é, portanto, muito mais perigosa e expõe a risco iminente de vida policiais e jornalistas. É preciso também detectar de que forma, após 20 anos de intensos embates, continuam adentrando, em morros e favelas do Rio, possantes armas de guerra. A inteligência policial precisa dar uma resposta a tal questionamento. Pelo visto, a difícil missão de pacificação do Rio está longe do fim.
Por sua vez, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (SJPMRJ) vê com indignação a morte de Gelson Domingos. É mais uma morte que resultou da falta de segurança em coberturas de risco no Rio de Janeiro. Para o Sindicato, este fato expõe a ‘imediata necessidade de dar continuidade às ações de proteção que foram prioridade após a morte de Tim Lopes e que hoje estão sendo proteladas pelo Sindicato Patronal’
Também neste ano, em maio, a direção do Sindicato dos Jornalistas pediu em Brasília o apoio da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal para a aprovação de leis que possam garantir segurança mais efetiva aos jornalistas que trabalham em áreas de risco. O pedido foi feito durante audiência pública realizada em homenagem ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Ao Sindicato das Empresas, foi proposta ainda em 2009 a idéia de criar em cada redação uma Comissão Paritária de Segurança, composta por profissionais do jornalismo, justamente para avaliar as operações em áreas de risco. Porém, este pedido foi constantemente negado sob a alegação de interferência nas redações. ‘A lógica dos patrões é fazer com que o emprego dos profissionais, como repórteres cinematográficos por exemplo, esteja garantido apenas à medida em que o trabalhador se arrisque cada vez mais em situações como essas’, expõe Suzana Blass.
A estrutura dada aos profissionais é pífia já no item mais básico: o colete à prova de balas. O Sindicato dos Jornalistas já havia alertado os veículos e exigiu que o material fosse analisado por especialistas do setor. Um repórter de televisão que estava próximo a Gelson Domingos durante a operação na manhã deste domingo e foi até a UPA acompanhar o corpo, confirma: ‘Estes coletes são lixo, são de papel.’‘Trata-se de uma tragédia que não podemos deixar que volte a acontecer’, afirma Suzana Blass.
* Milton Corrêa da Costa é coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro.
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