quarta-feira, 9 de março de 2011

Muito prazer, sou uma dos “atores barulhentos”

Por Elenaralelex em Estamos pelo mundo – 6/3/2001, às 8h50

Versão pós-moderna de Carmem Miranda sem ECAD


Escrevo uma carta para a Ministra da Cultura do Brasil, nessa noite de sábado de carnaval, sob forte ins)(piração da trilha sonora da minha vida: Santo Forte de Tonho Crocco





 Porto Alegre, 05 de março de 2011.

Ilma Sra.
Ministra da Cultura do Brasil
Ana de Holanda

Muito prazer, sou uma dos “atores barulhentos” que apoia (e gostaria de continuar apoiando) as políticas públicas criadas, implementadas e desenvolvidas pelo Ministério da Cultura – MINC – , para a cultura brasileira, durante a gestão de Gilberto Gil e Juca Ferreira, seu sucessor.

Por meio de políticas públicas culturais inclusivas, por oito anos, percebi que na gestão de Gil e Juca respeitou-se e revelou-se a diversidade cultural brasileira, criando e mantendo, no Ministério da Cultura, a tradição de conservar e promover cultura, abrindo, generosamente, suas portas ao público para a discussão de temas atuais que despertaram a curiosidade, o interesse e, acima de tudo, a necessidade de reflexão por parte de toda a sociedade.

Tenho tranquilidade em afirmar que, no Governo LULA, com Gilberto Gil e Juca Ferreira, no Ministério da Cultura, o Brasil descobriu o Brasil!

Suspeito que os motivos que inspiraram políticas públicas para que “O Brasil descobrisse o Brasil”, foram os seguintes:

-  a ampliação da efetiva participação do público ao que é comum a todos;

-  a necessidade premente de análise dos caminhos da cultura num país em que ela pode ser, o mais da vezes, considerada algo de “elite”

- a promoção e valorização, em última análise, da própria cultura brasileira em seus múltiplos e variados aspectos.

Estes motivos, ao longo desses oito anos que passaram, são conseqüência de um trabalho de interlocução entre os diferentes campos da sociedade com que se dialogava enquanto parte integrante e interessada em abordar a cultura e o pensamento brasileiros.

Dessa trajetória, precipita-se a iniciativa de ir mais adiante na reflexão, emergente no governo Lula, em especial com a gestão de Gilberto Gil e Juca, sobre o Estado–Nação, esse obscuro objeto do desejo, que teve a oportunidade de diálogo com a diversidade, cuja produção tem-se evidenciado significativa e reconhecida neste desejo de contribuir para uma reinvenção produtiva de nossa história.

E o Brasil descobre o Brasil contrapondo-se ao pensamento de questionamentos que afirmam que o Brasil não conhece o Brasil.

Somos, ainda hoje, desterrados em nossa própria terra. Minha pátria é minha língua. Quem não gosta de samba bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente do pé. Aqui é o país do futebol, da mulata, da cachaça e da música. Felicidade: passei no vestibular, mas a faculdade é particular. Este não é um país sério. Porque eu me ufano ou me enojo do meu país. Vejam esta maravilha de cenário onde de perto ninguém é normal[1].

Todas as frases transformam-se em motes, tentativas de capturar uma imagem do Brasil. Uma síntese de nossa identidade como Nação. Como neste caso a síntese é impossível, as frases na maioria das vezes apontam estereótipos que podem transitar do maravilhoso, passando pelo exótico e chegando ao racismo. No melhor dos casos, conseguimos alguns achados poético/musicais, artísticos e intelectuais. Chegamos a inventar um gênero literário: a crônica de futebol. Não há jornal de outro lugar que abrigue um (ou mais) cronista esportivo diário em suas páginas.

Em se tratando de Brasil é a multiplicidade que dá o tom, fornece o rumo e os campos de referência para uma interpretação. Uma leitura que se considere séria vai ser obrigada a enfrentar esta condição: lidar com a multiplicidade, com o cintilamento das diferentes fontes de referência sem cair no ecletismo, ou numa tentativa de fazer com os traços uma totalidade. Totalitarismo tem o mesmo radical e, nesta primeira década do séc. XXI, ainda estamos as voltas com os fundamentalismos dos mais diversos matizes, do científico ao religioso, do econômico ao político.

Desde Freud sabemos que o discurso social articula-se com o sujeito psíquico. O engendramento do Eu inicia-se a partir de sua relação ao Outro, sustentada no campo cultural. Nosso Imaginário precisa da antecipação de uma unidade, nossa imagem pessoal forma-se assim; dependente do espelho, do olhar e da palavra do outro que nos sustenta. Porém, nem só de Imaginário vive o homem, ele precisa das dimensões do Real e do Simbólico para se estruturar.

A verdade última, não está mais ao nosso alcance, pelo menos de forma laica. Temos que reconhecer que certas interrogações fundamentais perpassam os mais diversos campos da cultura, fazendo com que a verdade tenha estrutura de ficção, seja fruto do trato linguageiro e da diversidade de abordagens.

Este é um passo de uma longa jornada; pois implica conhecer e analisar “nossas raízes” psíquicas e culturais, para tentar transformá-las, reconhecendo as impossibilidades na qual se sustentam. Com sorte, talvez possamos repetir os versos da canção como um ensejo que se transmite as novas gerações: “Vai ter que amar a liberdade, só vai cantar em tom maior. Vai ter a felicidade de ver um Brasil melhor”[2].

“A Interpretação da história brasileira – engastada na velha história lusitana – proposta por Raymundo Faoro, nos traz algumas pistas interessantes para entendermos uma super valorização dos ‘documentos’, das ‘portarias, das ‘legislações’ e dos ‘funcionários’ que as elaboram e aplicam, em Portugal e no Brasil. Conceber as leis como algo que tem a capacidade de ‘criar’ a realidade, ao invés de ser apenas ‘reguladora’, seria para Faoro uma herança e uma sobrevivência do Estado patrimonialista – centralizado no Rei, nos seus ministros e na sua corte de servidores – e de suas estratégias de domínio e exploração. Esta pretenciosa precedência e autonomia ‘legal’ sobre o ‘real’, na forma de um “jurismo” artificioso e vão, esteticista e empolado, tendencialmente literário e totalmente divorciado das condições sociais e econômicas subjacentes, será explicada pelo autor em termos sociológicos e históricos decorrentes do próprio processo de formação da nação portuguesa e de como este processo se repete e instala no Brasil durante nossa colonização, permanecendo conosco ao longo dos séculos,”[3]

Estado-nação, este obscuro objeto de desejo: desventuras e possibilidades… A chegada do século XXI trouxe como marca o crescimento de contradições referentes ao Estado Moderno.

O debate sobre as “noções de nação” tornou-se mais e mais atual, na medida em que certos fenômenos vão atingindo, da proa à pôpa, do casco à alma, estas naves-Estados que levam seus nomes estampados nas bandeiras e nos cascos.

O Brasil não é uma exceção.

A Quarta Onda da Globalização traz problemas fortemente marcados pela capacidade destas naves-Estado em enfrentar as forças das ondas destes novos mares. Aquilo que antes era um eficaz e seguro instrumento de transporte através destes oceanos, agora demonstra suas fragilidades.

Não obstante, o caso do mar brasileiro, que é onde concento os esforços de observações e questionamentos, demonstra ainda agravantes que decorrem da fragilização provocada por sérias avarias estruturais e simbólicas, se é que podemos separá-las.

Se, antes dos Estados-Nação modernos, havia a sobreposição entre duas demarcações, tais como cultura e território, o que proporcionava algumas facilidades para análises deste tipo – basta lembrar dos estudos de Malinóvski nas ilhas da Micronésia, onde graças a certos isolamentos, era possível demarcar, recortar unidades de análise mensurados pelos limites, pelas fronteiras dos territórios, que também coincidiam com os das culturas – hoje, esta tarefa exige movimentos cada vez mais ousados no trânsito entre o local e o global, entre o estrutural e o simbólico.

No caso brasileiro, além da rica e, às vezes, perversa diversidade, sobretudo quando ela é marcada fortemente por desigualdades sociais, precisamos estar sempre mergulhando nos mares de fora e de dentro, e suas constantes influências.

Pensar o Estado brasileiro apenas pelo fenômeno global da fragilização provocada pela quarta onda globalizante, me parece pouco. Aqui, fatos recentes tem afirmado cada vez mais certas singularidades em nosso frágil – o nosso frágil é singular?

Dois aspectos se tornam de extrema relevância nessa abordagem:

O primeiro diz respeito ao fenômeno da crescente mercantilização de tudo. O mercado passa a aferir as importâncias das criações, elaborações, projetos de vida, realizações. São os instrumentos oferecidos pelo mercado que estão sendo difundidos para medir o grau das importâncias, mas serão estes os únicos?

Este primeiro problema está alastrado por toda uma simbolização do Estado e seus valores em nossos cotidianos. As manifestações artísticas e os imaginários estão imersos nesta problemática e em sua atualidade. Avaliamos como sendo de extrema riqueza buscar no cotidiano as influências trazidas pela crescente mercantilização de tudo e, sobretudo, nas significativas alterações trazidas por elas.

O segundo aspecto é, ao mesmo tempo, mais interstício, embora não fique restrito a suas características estruturais e está diretamente relacionado com a mercantilização de certos valores referentes à política e as ideologias.

As recentes crises, largamente propagadas e advindas de relações estabelecidas entre a política e o mercado, ou a aspectos de mercantilização do político e do ideológico, apontam para a necessidade de debatermos para além das estruturas do Estado, e nos voltarmos, também, para os seus impactos nos imaginários nacionais, irmos buscar, também, nas noções de Nação, instrumentos para pensar o Estado nacional e as agruras para sua travessia no mar desta primeira década do século.

Mas, afinal, porque tudo isso… o que quero dizer com isso?…

O que tenho para dizer é que cada cultura prolifera em suas margens. São como bolhas no pântano, sois que explodem e se apagam na superfície da sociedade. No imaginário oficial são exceções ou marginalismo. A ideologia proprietária isola o criador ou a obra. Mas eles germinam e o modelo aristocrático e museográfico se faz cego, pois esse modelo(aristocrático e museográfico) tem como origem um luto, os valores são os mortos mais do que os vivos, a apologia do !não perecível”. Porém, a criação é perecível, ela passa, pois é ato.

Assim, considerando a cultura como todo um modo de vida, na conceituação antropológica mais ampla, podemos tirar uma importante conclusão, qual seja, de que a cultura deve ser pensada como direito, criação e fio condutor que perpassa os diversos aspectos da vida humana em todas as áreas e ações da sociedade e dos governos.

Nesse sentido, um outro conceito de cultura ganha significado, onde a mesma deixa de ser encarada como concessão do poder público, como adereço, algo diletante, “perfumaria” e privilégio de poucos.

A cultura deve ser vista sob a ótica da cidadania.

Entender a cultura como direito de cidadania implica reconhecer que somos sujeitos históricos e culturais, produtores de cultura e, como tal, temos direito de Criar, inventar, produzir, bem como, de ter acesso aos bens culturais de nossa sociedade e à memória coletiva, esteio de nossa identidade cultural.

E, na verdade, a cultura não se reduz ao mundo dos eventos e do efêmero, ao campo das artes e da erudição e as leis do mercado, como hoje apregoam os neoliberais de plantão. O mundo da cultura diz respeito à totalidade das experiências sociais e, neste sentido, interessa a todos como direito de cidadania.

A filósofa Marilena Chauí tem toda razão ao afirmar que: “ A cultura não se reduz ao supérfluo, à sobremesa, ao mundo oficial, mas se realiza como um direito de todo povo brasileiro, a partir do qual ele se diferencia, entra em conflito, recusa ou aceita modelos, cria alternativas, torna-se sujeito da história, autor de sua própria memória.

Querida Ministra da Cultura da República Federativa do Brasil, o show tem que continuar, o show não pode parar, a evolução do samba-enredo em samba-canção é prá nata da malandragem não botar defeito, pois, a cultura é transformadora, é inventiva, é desestruturante e estruturadora ao mesmo tempo.

Votei em Dilma para PresidentA do Brasil, especialmente, por conta das políticas públicas culturais do MINC durante o Governo Lula… a sra. Ministra não faz ideia do que foi atravessar o São Chico com os Kits da Cultural Digital para PONTOS DE CULTURA Ribeirinhos, indígenas, comunidades… não se tratava de inaugurar mais um ponto de cultura, mas de dar condições dignas, evidências para o ponto de cultura, que sempre existiu, fazer valer a sua voz pelo planeta.

Eu sou CopyLeft e, mesmo assim, achei um absurdo a retirada da licença Creative Commons das páginas do Ministério da Cultura… mais absurdo. Ainda, foi a nomeação do representante do ECAD para a pasta de Direitos Intelectuais, do mesmo ECAD que cobrou mais de 50 mil reais do BOLA PRETA por ter executado “mamãe eu quero” nas ruas do Rio de Janeiro… será que nesse novo governo que se inicia teremos a decepção de sermos taxados pelo MINC por cantar no banheiro?

Com Todo meu respeito e consideração, em especial ao seu pai e ao seu irmão, mas tem sido mesmo autista seu comportamento frente às questões inovadoras e transformadoras que vive a sociedade.

Para ser Ministra de Estado da Cultura de um país como o Brasil há de ser uma pessoa com sensibilidade suficiente para entender e aceitar o novo, o real, o verdadeiro, afinal somos um Estado-Nação de uma povo belo e criativo com uma sociedade desigual.

Fraterno Abração

Elenara Iabel

feminista, produtora cultural, mãe do Cauã, da Inaê e do Ariel

[1] Este parágrafo reproduz idéias que se tornaram aforismos de interpretação do Brasil.

São citações que iniciam com Antonio Carlos Jobim, passam por Sergio Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Carlos Drumond de Andrade, Martinho da Vila e Cartola para citar alguns.

[2] Martinho da Vila, trecho da canção “Tom maior”.

[3] Trecho do artigo “A Lei é dura, mas… (Para uma clínica do “legalismo” e da transgressão”) de Luis Claudio Figueiredo

Se você não concordar, não posso me desculpar…

… aprendi a me virar sozinha e se estou te dando linha é prá depois te abandonar..

“isso você não pode evitar por aqui – disse o gato – todos somos malucos, eu sou, você é.”
Com todo o perdão da palavra, eu sou um mistério pra mim. E eu suponho que me entender não seja uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato. E nem eu me entendo, pois sou infinitamente maior que eu mesma, eu não me alcanço. Mas eu fui obrigada a me respeitar, pelo fato de não me entender. Qual palavra me representa? Uma coisa eu sei: eu não sou o meu nome. Meu nome pertence aos que me chamam.
(Clarice Lispector)


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