segunda-feira, 14 de março de 2011

O novo Minc - Nem Memória e nem invenção

“Aqui será o espaço da experimentação de rumos novos. O espaço da abertura para a criatividade popular e para as novas linguagens. O espaço da disponibilidade para a aventura e a ousadia. O espaço da memória e da invenção.” - Gilberto Gil¹


Por Mateus Guimarães e Augusto Botelho* - no site do DCE Honetino Guimarães, da UnB

O Brasil vive hoje um importante momento, não só econômico e social como cultural. Nos últimos oito anos de governo a gestão do Ministério da Cultura trouxe novas idéias e possibilidades e, apesar de ser ainda uma pasta considerada menor ou menos importante – e com orçamento ainda pequeno – abriu caminho para uma transformação no ambiente cultural brasileiro.

Os primeiros posicionamentos da nova ministra da cultura, a atriz Ana de Hollanda, tem provocado diversas manifestações e polêmicas dentro do meio artístico do país. Nesse texto pretendemos trazer alguns dados e informações que permitam entender melhor a situação e a importância de políticas públicas de cultura responsáveis e conscientes.

Breve análise da gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira

A gestão Gil/Juca a frente do Ministério da Cultura nos últimos oito anos, mostrou o papel que as políticas públicas de cultura podem desempenhar para o desenvolvimento sociocultural do país.

Com os olhos voltados a quem nunca foi visto em meio à desleal batalha de tubarões pela Lei Rouanet, o MinC se propôs a realizar um grande “do-in antropológico”, fortalecendo e fomentando trabalhos culturais de base e raízes (como os Pontos de Cultura), tecendo com a população a diversidade de fios da cultura brasileira, revelando sua riqueza e fascínio. Para tanto, programas como Interações Estéticas, Agente Escola e a Rede Cultura Viva, além da realização de encontros e discussões fundamentais, como as Pré-Conferências Setoriais de Cultura, a Conferência Nacional de Cultura, o Fórum de Mídia Livre e o Fórum Cultura Digital, foram ações exemplares de como uma gestão pode corresponder às demandas e anseios da sociedade.

Como bem o colocou Gilberto Gil, em seu discurso de posse em 2003: “Não cabe ao Estado fazer cultura, mas, sim, criar condições de acesso universal aos bens simbólicos, (...) condições necessárias para a criação e a produção de bens culturais”¹ Expandindo as percepções sobre a cultura brasileira, não decidindo o que seria “merecedor de financiamento”, o que seria “boa ou má cultura”, o MinC colocou à disposição de quem produz os meios para realizar e divulgar seu trabalho com dignidade.

E passou a atuar com força em áreas nunca antes valorizadas, como Acessibilidade, Saúde Mental, Diversidade Sexual, Culturas Populares e Identidade e Diversidade Cultural, com ações voltadas para públicos diversos, como Idosos, Trabalhadores, Infância, Juventude, Ciganos, Indígenas, Pescadores Artesanais e Povos e Comunidades Tradicionais, e criando ainda o programa Cultura e Universidade.

Apesar de contar com orçamento em torno de 1% (sendo que o setor responde a 6%) do PIB, a pasta cumpriu um papel fundamental no governo Lula. Espalhando quase 4 mil Pontos de Cultura em 1122 municípios do país (dados de abril de 2010), envolvendo direta e indiretamente um público de 8,4 milhões de pessoas em todo o país, foi possível criar uma rede alternativa de produção e distribuição cultural.

Em pouco mais de dois meses de governo, a nova ministra tem colocado em prática um preocupante processo de recuo nas políticas do MinC, principalmente no que tange à questão do Direito Autoral.

Nova Lei de Direitos Autorais

Em 2007, o MinC lançou o debate para a revisão da Lei de Direito Autoral, iniciado com o Fórum Nacional de Direito Autoral e finalizado recentemente com  a consulta pública do novo projeto, promovendo nesse período mais de 80 reuniões e envolvendo, direta e indiretamente, mais de 10 mil pessoas no debate.

A atual Lei de Direito Autoral do Brasil é altamente atrasada, privilegiando editoras, gravadoras e distribuidoras em detrimento dos produtores, e criminalizando boa parte dos cidadãos.

Diferente do que se quer fazer acreditar essa revisão não representa somente a preocupação com a circulação da produção cultural brasileira, mas também um olhar sobre a relação do público com o artista e das condições de (sobre) vivência do criador. É sempre bom lembrar que a esmagadora maioria dos artistas brasileiros não é constituída por nomes como Caetano Veloso, Alcione, Roberto Carlos ou Fernando e Sorocaba, e sim por anônimos que lutam diariamente para conquistar seu espaço e pagar as contas – e para quem o termo “direito autoral” pouco ou nada significa. E é justamente a essas pessoas, a esmagadora maioria dos profissionais do ramo cultural, que se estendem os editais públicos; Pontos de Cultura e a reforma da lei.

Um dos maiores avanços que propõe a nova lei é a criação do Instituto Brasileiro de Direito Autoral, órgão público que deverá fiscalizar e dar transparência ao trabalho das entidades arrecadadoras.

Hoje, o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) é uma empresa privada que, assim como a CBF, não precisa prestar contas a ninguém. Ele arrecada o dinheiro pago pelos direitos autorais e repassa quantias ínfimas aos artistas e produtores. Pela falta de fiscalização, não há como saber quanto a entidade arrecada para si e quanto repassa – as histórias de abusos e pagamentos injustos aos artistas são muitas. Na Assembléia Geral da entidade predominam os interesses das mega-corporações como Warner, Universal, Sony e a gigante EMI.

Uma das primeiras ações da nova gestão foi tirar do site do MinC o selo da licença Creative Commons² e defender abertamente a atual legislação. Declarando nem haver lido a proposta da nova lei - apesar de todo o período de discussão – Ana de Hollanda freou o processo da nova lei, já encaminhada para a Casa Civil. Justificou suas ações afirmando que ninguém conhecia a proposta e que não poderia aprovar algo que gerava discordância entre o meio cultural.

Apesar de não ter recebido nenhum representante da sociedade civil envolvido no processo de formulação da nova lei, a ministra se reuniu com o Dr. Hildebrando Pontes Neto, um aliado histórico do ECAD. Destitui do cargo de diretor de Direitos Intelectuais do MinC Marcos Alves de Souza, que dirigiu todo o debate acerca do projeto durante o governo Lula, nomeando para seu lugar Marcia Regina Barbosa, claramente ligada ao ECAD e defensora de seus interesses.

É importante evidenciar que o MinC foi um dos ministérios aonde mais se fortaleceu a participação popular na elaboração e gestão de políticas públicas, viabilizando um aprofundamento e aperfeiçoamento da democracia participativa. Provocando uma verdadeira revolução estrutural no setor, foram criadas condições de acesso a uma parcela considerável da população para pensar e fazer (n)o país. E é justamente nesse fazer e pensar que os envolvidos se percebem como atores tanto culturais quanto políticos, com grande potencial de transformação. Essa conquista deveria ser expandida para outras pastas, e não ser extirpada, como a ministra ameaça fazer.

Os movimentos culturais, sociais e políticos, assim como a sociedade brasileira como um todo, devem ter em mente que a cultura é bem intangível de toda a sociedade. Somos MinC e o MinC deve ser nós(nosso)!


*Mateus Guimarães é estudante de Gestão Pública e coordenador do Circuito Universitário de Cultura e Arte - CUCA/DF

Augusto Botelho é estudante de Artes Visuais, coordenador do Centro Acadêmico de Artes Visuais - CAVIS e coordenador do Diretório Central dos Estudantes Honestino Guimarães – DCE UnB.

¹ Trechos do discurso de posse de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, disponível em ://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u44344.shtml

² O que é o Creative Commons e qual a sua importância:  http://www.overmundo.com.br/overblog/o-creative-commons-e-os-direitos-autorais


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