segunda-feira, 21 de março de 2011

O discurso de Dilma, a Liga de Democracias e a submissão voluntária


A presidenta Dilma Rousseff fez um excelente discurso de boas vindas ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Usando o tom diplomático que a ocasião exige, Dilma reclamou das barreiras comerciais impostas a produtos brasileiros, da enxurrada de dólares que o Tesouro americano imprime, da lentidão na reforma dos organismos multilaterais e, indiretamente, afirmou que a América do Sul é “nossa”, ao mencionar a Unasul.

O Estadão, obviamente, destacou o “apreço” de Obama pela pretensão brasileira de fazer parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas, deixando em segundo plano o discurso de Dilma.

Continuo acreditando que a calibragem da política externa brasileira, em andamento no governo Dilma, tenta colocar o país no papel de parceiro privilegiado dos Estados Unidos — com as vantagens e desvantagens implícitas nisso.

Do ponto-de-vista dos Estados Unidos, o governo Obama parece ter adotado uma das propostas de campanha do republicano John McCain, que este herdou do governo Bush Jr.: o estabelecimento de uma Liga das Democracias.

O objetivo não declarado da Liga: dar a volta no “terceiro mundismo” da Assembleia Geral da ONU e turbinar a política externa dos Estados Unidos diante de Rússia e China.

Os Estados Unidos fariam concessões a estes parceiros (Brasil, Índia, Indonésia) em troca de apoio político internacional.

Não é por outro motivo que o Estadão deste domingo vibra com a diplomacia de Dilma Rousseff, com editorial elogioso e tudo.

“O estilo Lula foi um momento, e já passou”, diz o professor Riordan Roett, da Universidade Johns Hopkins, entrevistado pelo jornal.

“Ficará na história, como ponto importante, que Lula estabeleceu o Brasil como um dos Brics. O país apareceu na arena global, com mais exportações, com muitas viagens, encontros no G-20. Lula é uma pessoa especial, é carismático. Não é um grande administrador, mas entendeu esse momento e o usou a favor do Brasil. Mas foi um momento, e passou. Não vai deixar recall.”

“É difícil imaginar o Patriota como um homem de partido”, alfineta o professor ao falar do atual chanceler Antônio Patriota, obviamente numa referência ao ex-chanceler Celso Amorim, que ingressou no PT.

“Com Dilma, há sinais de um certo ajuste de rumo”, diz Fernando Henrique Cardoso na página seguinte.

O fato é que os Estados Unidos sempre se opuseram à entrada do Brasil no Conselho de Segurança, entre outros motivos por serem depositários do medo que os vizinhos do Brasil expressam, privadamente, a respeito de nossas supostas pretensões expansionistas. Qualquer brasileiro disposto a ouvir vai encontrar reticências a respeito da postura internacional do Brasil na Bolívia, no Paraguai, na Colômbia, na Venezuela…

O Itamaraty sabe disso e aparentemente trabalha em busca de um equilíbrio entre as relações com a vizinhança imediata e os Estados Unidos.

O risco, sempre, é o de trocar coisas concretas e importantes por “apreço”.

Talvez fosse o caso de não considerar assim tão importante a entrada do Brasil no Conselho de Segurança. Ou de pelo menos se perguntar: a que custo?

Aqui eu posso falar de cátedra, depois de ter vivido e acompanhado de perto, durante quase 20 anos, como funcionam os Estados Unidos: estejam republicanos ou democratas no poder, Washington sempre coloca seus interesses econômicos acima de tudo e joga duro na defesa deles.

A ponto de o Departamento de Estado criar centenas de listas, condenando este ou aquele país por uma infinidade de motivos. Qual é a função das listas? Negociar a retirada dos países em troca de concessões reais. É a tática de colocar o bode na sala alheia, para negociar a retirada.

E é aí que entra a tendência à “submissão voluntária”, como notou um comentarista deste site.

Não conheço documento tão eloquente sobre ela quanto o telegrama do WikiLeaks que flagrou tucanos e tucanófilos falando mal do governo Lula a diplomatas americanos. Seria impensável nos Estados Unidos: jamais republicanos ou democratas se aliaram a estrangeiros para adiantar seu lado. Americano defende, sempre e em primeiro lugar, o interesse dos Estados Unidos.

Se, de um lado, a presidenta Dilma Rousseff fez um discurso impecável, a “submissão voluntária” ficou explícita nesta breve visita de Barack Obama: nos dirigentes do PT que desautorizaram manifestações de militantes do partido, na permissão dada a agentes estrangeiros para revistar autoridades brasileiras em Brasília, na ideia maluca de permitir um comício de Obama na Cinelândia e na cobertura dos jornais, que hierarquizaram o Brasil como o “menos igual” na suposta parceria estratégica.

Para evitar nossa tendência à submissão voluntária, seria o caso de se perguntar, sempre: o que é que vamos ganhar com isso?

PS do Viomundo: Outra diferença gritante entre Brasil e Estados Unidos. Lá, os políticos e candidatos expõem publicamente seus pontos-de-vista sobre política externa. No Brasil, é tudo decidido entre quatro paredes e as posturas só ficam explícitas depois das eleições.


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